BRASIL: O presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), deu voz de prisão a Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, ao final de seu depoimento nesta quarta-feira (7) na CPI da Pandemia. Dias foi acusado de mentir aos senadores em relação à acusação de pedir propina no episódio da oferta de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca pela empresa americana Davati.
Ao longo de todo o depoimento, de mais de sete horas, os senadores pressionaram o depoente sobre encontro ocorrido em um restaurante de Brasília, em 25 de fevereiro, entre ele, o cabo da PM-DF Luiz Paulo Dominguetti, suposto representante da Davati, e o coronel Marcelo Blanco, ex-diretor-substituto de Logística do ministério. Dias afirmou que o encontro foi casual, mas áudios atribuídos a Dominguetti, apresentados na CPI, desmentiram sua versão.
— Nós temos outras informações, e estamos aqui apenas checando com o senhor — advertiu logo no início do depoimento o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL).
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) acusou a CPI de cometer uma ilegalidade, pois no mesmo momento já estava aberta a ordem do dia da sessão deliberativa do Plenário, o que impede as comissões de funcionar. Pelo mesmo motivo, o líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pediu que Aziz reconsiderasse a decisão. Os senadores Rogério Carvalho (PT-DF) e Otto Alencar (PSD-BA) lembraram que outros depoentes mentiram perante a comissão e não foram presos. Citaram o ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello e o ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten. Fabiano Contarato (Rede-ES) ressalvou que é uma “obrigação” a decretação de uma prisão, em caso de flagrante.
— Não aceito que a CPI vire chacota. Nós temos 527 mil mortos e os caras brincando de negociar vacina! Ele está preso por perjúrio, e que a advogada me processe, mas ele vai estar detido agora pelo Brasil — indignou-se Aziz, que perdeu um irmão pela covid-19. Ele lembrou também que os outros depoentes estavam munidos de habeas corpus concedidos pelo STF.
No áudio, ouve-se Dominguetti afirmando a um interlocutor: “Quem vai assinar é o Dias. Quinta tem uma reunião pra finalizar com o ministério. Nós estamos tentando tirar do OPAS [Organização Panamericana da Saúde] para ir para o Dias direto. Essa conversa que eu estou tendo contigo é em off. O Dias vai ligar para o Cristiano [CEO da Davati no Brasil] e conversar com o Herman [Cardenas, CEO da Davati] ainda hoje (…). Já cientificando a turma que a vacina está à disposição do Brasil. Se o pagamento for via AstraZeneca, melhor ainda”.
Jantar
Grande parte do depoimento girou em torno do encontro ocorrido no dia 25 de fevereiro, em um restaurante de um shopping de Brasília, entre Dias, Dominguetti e Blanco. O depoente afirmou que estava tomando chope com um amigo (José Ricardo Santana, ex-diretor da Agência de Vigilância Sanitária) quando Blanco veio à sua mesa, apresentando-lhe Dominguetti. No início do depoimento desta quarta, Dias afirmou que “possivelmente” o coronel Blanco sabia que ele estaria naquele local; horas depois, mudou de versão, admitindo que “ele sabia que eu estaria no restaurante, mas eu não sabia que ele estaria com uma pessoa representante de vacina”.
Segundo o depoente, ao ouvir de Dominguetti a proposta de venda de 400 milhões de doses de vacinas, ele pediu que fosse formalizada reunião no Ministério da Saúde. Nessa reunião, ocorrida no dia seguinte, “o assunto morreu” quando Dias constatou que Dominguetti não tinha como provar o vínculo da Davati com a AstraZeneca. O ex-diretor contou que chegaram ao ministério diversas propostas de venda de vacinas, citando especificamente a feita pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, em nome de uma entidade não-governamental chamada Senah (sigla de “Secretaria Nacional de Assistência Humanitária”).
— A informação que nunca chegou, e por isso [a proposta] nunca foi à frente, é: você tem a carta de representação do fabricante? Não. Todas essas empresas, e isso aconteceu de forma muito semelhante na crise de respiradores, têm um único interesse: obter uma LOI, letter of intention, uma carta de intenção do governo brasileiro que garanta a demanda que ele precisa — afirmou Dias.
Vários senadores, entre eles Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Eduardo Braga (MDB-AM), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Fabiano Contarato (Rede-ES), Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE), manifestaram perplexidade com o relato, a começar pela inverossimilhança da casualidade do encontro no restaurante. Causou estranheza também o intervalo de menos de 24 horas entre o encontro no restaurante e a reunião no ministério — rapidez que Dias atribuiu a problemas de agenda de Dominguetti.
Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, apontou uma portaria de janeiro deste ano centralizando toda negociação de vacina na secretaria-executiva do Ministério — logo, Dias não teria autoridade para tratar com a Davati ou qualquer outra empresa sobre a compra de vacinas.
— Já tinha uma portaria, assinada pelo coronel Élcio [Franco Filho, secretário-executivo do Ministério], que centralizava toda e qualquer negociação de vacina com ele. Assim mesmo o senhor marca uma reunião com o Dominguetti. O senhor tinha zero autoridade para tratar sobre vacina, e por incrível que pareça o senhor não tratou com a Pfizer, não tratou com a Janssen, mas tratou com o cabo Dominguetti. Por isso o coronel Elcio pediu sua exoneração: porque o senhor atravessou o que não era da sua alçada.
O depoente defendeu-se dizendo que estava apenas “verificando a existência” das 400 milhões de doses, e que, uma vez confirmada a oferta, encaminharia o processo à secretaria-executiva.
Dias, que foi exonerado no último dia 29 em razão das denúncias, chamou de “duas pessoas desqualificadas” seus acusadores, Luiz Paulo Dominguetti, cabo da PM-MG e suposto representante da Davati, e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). O depoente insinuou que estaria sendo vítima de retaliação porque negou um cargo ao irmão do deputado, Luis Ricardo, servidor concursado do Ministério da Saúde.
— Estou sendo acusado sem provas por dois cidadãos: o sr. Dominguetti, que aqui nesta CPI foi constatado ser um picareta que tentava aplicar golpes em prefeituras e no ministério, e o nobre deputado Luis Miranda, que possui um currículo controverso, que me abstenho de citar.
Elcio Franco
Os senadores insistiram em uma possível animosidade entre Dias e Elcio Franco, que exonerou dois subordinados do depoente e chegara a pedir ao ministro Pazuello, sem êxito, a saída da Dias, supostamente por irregularidades na compra de testes contra a covid.
O relator da CPI, Renan Calheiros, acrescentou que em despacho ao Tribunal de Contas da União o Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde atribuiu erroneamente ao departamento de Dias (Logística) a responsabilidade por levantar os preços de vacinas contra a covid no exterior.
Dias afirmou que tinha pouco contato com o coronel Elcio. Afirmou não saber o motivo da exoneração de seus subordinados.
— Cometeram uma injustiça. Trabalhavam muito bem e de fato fizeram muita falta — disse o depoente.
Dias informou que, na gestão de Mandetta no ministério, ele tinha autonomia para escolher seus subordinados. Mas a situação mudou a partir da chegada do general Pazuello. As exonerações e nomeações, entre elas as dos coordenadores Marcelo Costa e Alex Lial, ambos militares, passaram a vir diretamente da secretaria-executiva ou do próprio ministro.
— O sr. Elcio Franco cada vez mais se enrola e a gente começa a encontarr os responsáveis pela pressão no caso Precisa/Biotech — concluiu Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI.
Ricardo Barros
Os senadores pediram a Dias esclarecimentos sobre a influência do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde (governo Michel Temer) e atual líder do governo na Câmara, em sua ascensão na carreira. Servidor concursado do estado do Paraná, Dias exerceu cargo de confiança no governo estadual em 2018, na gestão de Cida Borghetti, esposa de Ricardo Barros. No ano seguinte, quando Luiz Henrique Mandetta assumiu o Ministério da Saúde, Dias foi nomeado para o Departamento de Logística, segundo ele não por indicação de Barros, e sim do deputado Abelardo Lupion.
Depois da saída de Mandetta, Dias permaneceu no cargo sob os ministros Nelson Teich, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga. Segundo o depoente, “cada ministro que chegava me manteve em função das ações que estavam em andamento num momento crítico”.
Covaxin
Dias defendeu-se ainda da acusação de ter feito “pressão atípica” sobre o servidor Luis Ricardo Miranda para acelerar a compra da vacina indiana Covaxin. A compra estava sendo intermediada pela Precisa Medicamentos junto à empresa Bharat Biotech. Foi suspensa em 29 de junho, após a divulgação da denúncia de pressão.
— Se houvesse quinze, vinte ligações seguidas, demonstrações de hostilidade… da minha parte, respondo por mim, nunca houve pressão ao servidor Luís [Ricardo] Miranda.
Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a Precisa é “laranja” da Global, empresa que durante a gestão de Ricardo Barros no Ministério da Saúde ficou devendo R$ 20 milhões à pasta. Dias respondeu que quando assumiu o Departamento de Logística, em janeiro de 2019, a questão estava em aberto e ele pediu uma tomada de contas especial contra a Global para que o dano fosse ressarcido.
— Eu, enquanto gestor, tomei todas as ações que eu poderia. A Global foi sancionada por impedimento de licitar por três meses na gestão anterior. O que tem que ser questionado é se essa sanção foi proporcional, se foi válida ou não. Isso não me diz respeito — afirmou o ex-diretor.
Governo
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), voltou a citar relatório do TCU dando conta que não teria havido sobrepreço nas negociações de compra das vacinas Covaxin. Bezerra apontou que o valor de US$ 15 é o mais baixo para nações estrangeiras, segundo comunicado de abril da fabricante Bharat Biotech. Bezerra informou que as vacinas Coronavac eram negociadas a US$ 16 no mesmo período. Para ele, a CPI está se prendendo a uma “narrativa apócrifa” de superfaturamento. Por fim, lembrou que o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, abriu sindicância.
Os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE) sugeriram que os irmãos Miranda podem ter denunciado Roberto Dias por “interesses pessoais”. Para Girão, os irmãos queriam provocar a exoneração de Dias para que Luis Ricardo Miranda assumisse o Departamento de Logística. O depoente afirmou que Luis Ricardo é um servidor competente, mas que o deputado Luis Miranda “tem explicações para dar”, pois teria relação comercial com Cristiano Carvalho, que se apresenta como CEO da Davati no Brasil. Para Jorginho, Dias “impediu um golpe” contra o governo federal.
Sobre o caso Davati/AstraZeneca, Marcos Rogério disse que “estamos diante do clássico caso da teoria do crime impossível”, já que não haveria como haver propina numa compra de vacinas que não existiam.
Gestão do ministério
Izalci Lucas (PSDB-DF) relacionou episódios que, segundo ele, demonstram falta de controle no Departamento de Logística e no Ministério da Saúde. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) criticou uma “verdadeira ocupação militar” no ministério, com prejuízo à eficiência da gestão. Vieira apontou contradições no depoimento de Dias.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que o contrato da Covaxin está eivado de irregularidades, e a corrupção na compra da vacina, vista como inadequada, já está comprovada. No seu entendimento, houve uma disputa entre o núcleo político e o núcleo militar em torno do “propinoduto˜, e os militares queriam “tomar conta do galinheiro”. A senadora pediu uma acareação entre Dias e o ex-secret[ario-executivo, Elcio Franco.