VITÓRIA: Uma mãe radiante e com todos os motivos para isso. O estudante Gabriel Barroca, 13 anos, é o único aluno da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) a ganhar medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) 2018. Ele estuda na Emef Experimental de Vitória – Ufes, que fica dentro da universidade, mas é da rede municipal. Ao todo, 24 alunos do Espírito Santo conquistaram medalha de ouro.
O feito, por si só, já é muito significativo, mas, no caso dele, a alegria da família e dos professores é ainda maior por Gabriel ser autista. A capacidade de raciocínio dele se destaca na escola, mas o desafio era o adolescente colocar no papel tudo que se passa em sua mente. Ele conseguiu e irá receber o prêmio em Salvador, na Bahia. A mãe, que é peça fundamental desse sucesso, vai junto.
Ele fez no ano passado, quando estava no sétimo ano, e, para a surpresa de todos, porque ele não tem interesse de escrever muito, foi medalha de ouro. “Fez a primeira etapa objetiva e depois a segunda discursiva. “, comemora a mãe, a servidora pública Andreza Barroca Pratti, 47 anos.
2º VEZ
Segundo Andreza, o filho já havia participado da olimpíada, mas precisava de mais tempo para resolver as questões. “Na primeira vez, o professor me procurou e falou que o Gabriel quase alcançou a pontuação, mas ele precisava de um tempo estendido para fazer. E a OBMEP não oferecia esse tempo estendido. Só que, no ano seguinte, eles começaram a oferecer. No primeiro ano ele foi no quase e, no segundo, quando estenderam um pouco o tempo, ele conseguiu. Mas ele fez na mesma sala que os outros meninos, a mesma prova”, diz.
NA ESCOLA
A mãe conta que Gabriel, na escola, é acompanhando pela educação especial. “Ele é um aluno diferente que não tem interesse sequer de abrir a mochila para fazer exercícios, fazer anotações. Ele não faz. Vou te dar um exemplo: a professora ensinou fração e ele me falou: ‘mãe, é difícil ficar na escola. A professora ensinou fração, passou o dever na sala e ainda quis passar dever de casa’. Pra ele, já foi suficiente a primeira vez que a professora explicou. Ele aprende mais pelo ouvir do que pela prática, como habitualmente a gente faz”.
A PROVA
Gabriel teve um estímulo para responder as questões. Vendo que ele não estava muito interessado, a mãe explicou que o prêmio no valor de R$ 1.200,00 seria usado para comprar um computador para ele, logo o adolescente se animou.
Ele fala que não gosta de escrever porque não quer que as pessoas saibam o que ele está pensando. Ele fez a prova porque é um desafio. Acha a prova da OBMEP inteligente
TECNOLOGIA
O estudante também gosta de acessar o Youtube. “Ele fala pouco e com palavras rebuscadas. Se mando fazer alguma coisa, ele fala: ‘posso procrastinar?’. Uma palavra que a gente não usa. Às vezes me assusta essas questões do Gabriel. Ele não gosta de ler, gosta de ver desafios no Youtube e como se fazem jogos. Ele não faz curso de inglês, mas pega muito bem pela internet”.
ALTAS HABILIDADES
Além do ensino regular, Gabriel é da turma de altas habilidades da Escola de Ciência Física e faz iniciação científica no Ifes e na Ufes de Matemática Pura e Aplicada. Em 2019, ele já passou na primeira fase da Olimpíada de Matemática e espera a segunda etapa em setembro.
ACEITAÇÃO
De acordo com a mãe, desde a educação infantil a escola já apontava que Gabriel tinha algum grau de autismo, mas era difícil aceitar. Ela, que tem outras três filhas, acreditava que era uma questão de personalidade.
“Demorei para levar e fazer um acompanhamento. Quando ele mudou de escola, na Emef Ufes, eles ficavam apontando, inclusive fui chamada para várias reuniões. Ele não escrevia e não pintava. Ele só desenhava, mas era a forma dele retratar o que ele estava entendendo da matéria, mas a gente não compreendia isso”.
No terceiro ano, ele começou a fazer as provas da escola e fechá-las. “A escola viu que ele tinha altas habilidades e foi mandado para uma escola específica. Eles começaram a ver que os desenhos dele tinham lógica, uma sequência. Ele foi mandado para a escola de altas habilidades da Ciência – Física para robótica”.
“No meio disso tudo, fui vendo que tinha alguma coisa diferente. Levei ao pediatra e ele foi fazendo acompanhamento com neuropediatra, psiquiatra, psicólogo até chegar o laudo dele. Na adolescência ele mesmo questionou se ele era autista ou não, levei novamente no ano passado e ele pegou um segundo laudo, que confirmou”, relata Andreza.
A confirmação do autismo leve veio aos 9 anos.
Foi mais pela insistência da escola. A família entra em um processo de negação, acha que o autista é aquele que fica gritando, que olha para cima, anda na ponta dos pés. A gente não vê o autista leve, só pensa no severo
BULLYING
“O Gabriel sofria bullying na escola até o 5° ano. Ele não copiava. Os coleguinhas, que são crianças, também não queriam copiar. Eles achavam que ele era acobertado pela escola. Eles batiam no Gabriel, jogavam a merenda dele fora, chegaram a pagar colegas para tirar a roupa dele, ele passou por um bullying muito severo, porque ele não tinha laudo, não tinha atendimento de educação especial. Isso foi péssimo. Tive que trocar ele de turma. Fui à escola, eles fizeram uma semana de inclusão. Quando ele voltou, foi muito bem acolhido”.
O PARABÉNS DA PROFESSORA
“Sou uma professora que amo o que faço. Para motivar os alunos, fiz o Projeto OBMEP, pois toda olimpíada requer treinamento, principalmente a de Matemática. No laboratório de informática, os alunos resolviam as questões de provas que já foram dadas em anos anteriores. Esse projeto despertou mais a autonomia dos alunos, incluindo Gabriel.
Enquanto na sala de aula ele tinha resistência em registrar conteúdos dados, ao resolver as questões das provas da OBMEP, ele demonstrava interesse e empenhava-se em acertar as respostas.
Eu já fiquei felicíssima quando corrigi o gabarito da primeira fase e vi que ele acertou mais de 75% e quando chegou o resultado da segunda fase: ouro!!!
Comemorei muito vendo um excelente resultado do projeto, mas também enxergando a alta habilidade do Gabriel para área de exatas.
Levei carinhosamente um mimo para os medalhistas e consegui dar um abraço no tímido no Gabriel e ouvir bem baixinho, depois que os colegas saíram, um obrigada. Parabéns a esse menino prodígio Gabriel Barroca!”
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