RIO: O Carnaval na Sapucaí neste domingo teve as atuais campeã e vice na avenida e abordou intolerância religiosa, meio ambiente, preconceito, entre outros temas
Sete Escolas de Samba abrem os desfiles do grupo especial na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, neste domingo, 23, às 21h30. A disputa da elite do Carnaval carioca começou com a Estácio de Sá. Sambaram ainda a Viradouro, vice-campeã do ano passado, a Mangueira, atual vencedora, a Paraíso do Tuiuti, a Grande Rio, a União da Ilha e a Portela. Confira os temas, na ordem de ingresso na avenida:
Estácio de Sá
A vermelho e branco conquistou em 1992 seu único campeonato com Paulicéia Desvairada, 70 anos de Modernismo no Brasil. A carnavalesca Rosa Magalhães, uma colecionadora de sete campeonatos por outras escolas, liderou a concepção do enredo Pedra, uma representação da permanência do tempo e também sobre a beleza a origem e a beleza das pedras.
De volta ao grupo especial, a agremiação do Morro São Carlos, na região central do Rio, antes mesmo de entrar na Marques de Sapucaí, homenageou Rosa, que comemora 50 anos de folia. O abre-alas, um dos carros mais bonitos, trouxe desenhos rupestres. A Estácio encerrou o desfile sem atrasos e esquentou a arquibancada para a Viradouro, a vice-campeã do ano passado.
Unidos da Viradouro
Uma das onze escolhas a escolher um samba-enredo engajado, a Unidos do Viradouro, vice-campeão no ano passado após ter subido da Série A em 2018, foi a segunda agremiação a desfilar no Sambódromo Fluminense. A escola de Niterói, na região metropolitana do Rio, falou, no enredo Alma Lavada, sobre a vida das ganhadeiras de Itapuã, mulheres escravizadas até o final do século XIX e símbolo de resistência.
A bateria inovou e trouxe um tripé com duas percussionistas tocando timbau. A escola esquentou o setor 1, o mais popular da Avenida, desde que pisou no Sambódromo. A plateia cantou do inicio ao fim a história das aguadeiras baiana.
Forte concorrente ao título de campeã de 2020, a agremiação jogou cocadas ao público, que vibrou. O luxo das fantasias, no entanto, cobrou seu preço e uma baiana desmaiou ainda no início do percurso.
O quarto carro, “Ciranda de Roda à beira do mar”, trouxe imagens de aguadeiras ainda em exercício e homenagens a outras mulheres que trabalharam em Itapuã. Muitas delas, aliás, estavam no sexto carro. Aos 30 minutos, o som foi interrompido por segundos, mas o público entoou os versos da canção a plenos pulmões.
Com a crise da Cedae no Rio, a escola utilizou água mineral em carros com atrações do tipo, como um aquário com sereias.
Mangueira
Sob os gritos de “é campeã”, a Estação Primeira de Mangueira foi a terceira escola a desfilar no Sambódromo do Rio neste domingo 23, e acabou aplaudida de pé ao ser anunciada. Com grande expectativa do público e da crítica, a campeã de 2019 busca a liderança com o samba-enredo A Verdade vos Fará Livre, com aspectos da vida de Jesus.
O abre-alas da agremiação levou para a avenida um grupo de bailarinos que reconstruiu possíveis tensões e situações de vulnerabilidade que Jesus sofreria se tivesse nascido no Brasil de hoje. No primeiro carro, os cantores mangueirenses Alcione e Nelson Sargento representam Maria e José, respectivamente.
A verde e rosa mostrou o filho de Deus se insurgindo “contra o comércio da fé e desafiou a hipocrisia dos líderes religiosos de seu tempo”. O carnavalesco Leandro Vieira, que já tem dois campeonatos pela escola, indicou no texto de apresentação do enredo as questões enfrentadas por Jesus. “Questionou o poder do império romano e condenou a opressão. Seu comportamento pacifista e suas ideias revolucionárias inflamaram o discurso dos algozes que passaram a incitar o estado a decretar sua sentença. O fim todos sabemos: Foi torturado, padeceu e morreu”.
Para o carnavalesco, o enredo não é religioso e Jesus não pode ser representado de maneira única, quando preso à cruz. Cada setor da escola vai trazer uma representação diferente. “Ser um, exclui os demais. Preso à cruz, ele é a extensão de tantos, inclusive daqueles que a escolha pelo modelo ‘oficial’ quis esconder. Sendo assim, sua imagem humana não pode ser apenas branca e masculina”, apontou.
O desfile figurou um Jesus mulher e outro negro, com sua biografia como se tivesse nascido em uma comunidade carioca. A escolha foi aprovada pelo público. “Jesus também é Carnaval, apesar de o nosso prefeito achar que não. Estou completamente de acordo com o enredo. A gente vai vencer com o amor ao próximo”, disse o carioca Carlos Arcanjo, de 28 anos, que também assina embaixo do trecho “não existe messias de arma na mão”.
O empresário Mauro Pinheiro, de 47 anos, gostou da atitude. “O tema é super apropriado. Considerando a região em que Jesus nasceu, é mais provável que ele fosse negro mesmo”, opinou. Para a gaúcha Marilene Borba, de 63 anos, a homenagem está à altura do homenageado. “É a primeira vez que vejo falarem de Jesus com alegria. Na verdade, ele era negro mesmo. O povo é que botou branco de olho azul”, disse.
Paraíso do Tuiuti
Com o enredo O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião, a azul e amarelo do Morro do Tuiuti homenageou o padroeiro do Rio de Janeiro em desfile que começou com atraso. O enredo tratou da ligação entre o mártir venerado por religiões cristãs e de matriz africana com o lendário rei de Portugal, tratado com reverência em terras lusitanas. O carnavalesco João Vitor Araújo, que esteve à frente de escolas da Série A, teve a responsabilidade de desenvolver a canção.
O desfile abordou a diversidade religiosa ao representar o santo como Oxóssi, como é conhecido no candomblé e na umbanda. Entre as alas, também havia referências ao catolicismo, como um bispo. A escola que nos últimos anos marcou os seus desfiles por questões políticas, em 2020, quis mais descontração.
Grande Rio
A vermelho, verde e branco de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, vem perseguindo o título há muito tempo e, neste ano, renova as esperanças com Tata Londirá – O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias. O enredo, contra a intolerância religiosa, faz homenagem a Joãozinho da Gomeia.
Nascido na Bahia, o dançarino conhecido como o Rei do Candomblé, fixou seu terreiro em Caxias, um dos mais respeitados na cultura de origem africana. Lá recebeu até políticos e lutava contra a intolerância religiosa.
O enredo desenvolvido pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que também são do grupo de estreantes na elite do carnaval carioca, destaca ainda a participação de Joãozinho na luta contra os preconceitos.
O desfile teve momentos logo no início. O quarto carro que homenageava os orixás ocupou espaço a mais na avenida e quebrou a grade que separava o grupo da escola. Duas repórteres foram machucadas no braço e na perna. A escola não as procurou para oferecer ajuda. Ambas acabaram retiradas da avenida com a ajuda de Bombeiros.
A agremiação entrou empolgando o público, mas logo nos primeiros quatro minutos deixou um buraco. O terceiro carro não conseguiu fazer a manobra para entrar na avenida. Um bombeiro disse que a alegoria era grande demais e que isso dificultou a operação. A agremiação deve ser penalizada nos quesitos harmonia e evolução. O erro foi corrigido apenas cinco minutos após o incidente. Aos 13 minutos, teve início um segundo buraco, também resolvido. À frente da bateria, a apresentadora Antonia Fontenelle mostrou samba no pé.
União da Ilha
A azul, vermelho e branco da Ilha do Governador, a sexta a entrar na passarela do samba, costuma fazer desfiles descontraídos e empolgados. Neste ano, passou na avenida com um enredo de nome comprido: Nas encruzilhadas da vida; entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder. Os carnavalescos são os experientes Fran-Sérgio, que por muitos anos esteve na Beija-Flor, e Cahê Rodrigues, que veio da Grande Rio e da Imperatriz Leopoldinense.
Para contar a história, o enredo destacou uma jovem mãe, negra, pobre, que pensa no futuro que poderá oferecer ao bebê que está sendo gerado em seu ventre. Com isso, a escola quer mostrar que ela é uma brasileira como milhões de outras mulheres vivendo em situação semelhante. Em um elo com o desfile, a mãe acredita que “a Escola de Samba também tem compromisso com a cidadania e que o samba, com a sua magia, é capaz de operar verdadeiros milagres”.
A Ilha quer que o desfile desperte para a necessidade de a sociedade ser mais amiga e solidária. “Pode faltar arroz, feijão, leite, mas a amizade fala mais alto. Existe sempre um jeitinho de ajudar e ser ajudado. Um sorriso, uma palavra amiga, um olhar de ternura”, indicou a escola na apresentação do enredo.
A boa convivência defende também a diversidade religiosa e a importância da fé. “Aqui, existem vizinhos que são do Santo, os que pregam as Sagradas Escrituras, os que louvam o Senhor sobre todas as coisas. Se falta de tudo um pouco, sobra fé. Graças a Deus!”
No fim da história, a mãe mostra que a comunidade acaba virando uma irmandade. “É exatamente isso que eu preciso ensinar a esta criança que carrego aqui dentro: mesmo com todos os revezes que povoam o nosso cotidiano, carregamos uma obrigação – que, assim como o samba, não se aprende no colégio: Amarás o próximo como a ti mesmo”.
Portela
A azul e branco de Madureira e Oswaldo Cruz, escola do Rio com o maior número de títulos (22), encerra o primeiro dia de desfiles e traz o enredo Guajupiá, Terra Sem Males, uma crítica ao homem que não soube dar valor às bênçãos criadas por Monã, o deus dos Tupinambás.
Os carnavalescos Renato e Márcia Lage, experientes no Grupo Especial, estreante na Portela com enredo que tem muita relação com o meio ambiente. A escola tradicional do carnaval do Rio mostra o nascimento de um tupinambá, com seus ritos e tradições que deveriam garantir bons presságios. O berço em estilo de rede, ornamentado com unhas de onça e garras de águia, foi elaborado com a intenção de que nada de mal lhe acontecesse. Tudo acontece na Karióka, que conforme o texto de apresentação do enredo, é a lendária taba tupinambá, erguida ao lado da “paradisíaca baía de kûánãpará”, o seu Guajupiá. Depois, conhecida como Baía de Guanabara. (Fonte: Veja)